O episódio do vinagre oferecido a Jesus na cruz está registrado nos quatro evangelhos (Mateus 27:34 e 48, Marcos 15:23 e 36, Lucas 23:36, João 19:29-30) e tem gerado discussões sobre seu verdadeiro significado, função e até mesmo se haveria algum tipo de humilhação adicional nesse ato. Um mito recorrente na atualidade é a suposição de que o vinagre teria sido retirado de banheiros públicos romanos, o que não encontra respaldo sério em fontes bíblicas nem históricas.
O que era o vinagre na época de Jesus?
Nos relatos bíblicos, o termo usado para “vinagre” no grego é “oxos”, que se refere a um tipo de vinho ácido, uma bebida muito comum entre soldados, operários e classes populares no Império Romano. Essa bebida, chamada de “posca”, era feita misturando vinagre de vinho, água e, às vezes, ervas. Seu sabor era ácido, mas tinha vantagens: era barato, refrescante, evitava o desenvolvimento de bactérias na água e ajudava na hidratação dos soldados durante longas jornadas.
Portanto, o vinagre oferecido a Jesus não era vinagre de uso doméstico como conhecemos hoje, nem tão pouco resíduo de algum tipo de lavagem sanitária, mas sim uma bebida ordinária, cotidiana, e muito consumida pelas classes mais baixas e pelos militares.
A polêmica da esponja de banheiro: verdade ou mito?
É fato histórico que, nas latrinas públicas romanas, utilizava-se um utensílio chamado “tersorium”, que consistia numa esponja presa a um cabo de madeira, usada para higiene após as necessidades fisiológicas. Essa esponja era frequentemente mergulhada em água com vinagre ou salmoura, que tinha efeito antisséptico básico.
Contudo, associar diretamente o tersorium ao episódio da cruz é uma especulação moderna, sem nenhum respaldo nos textos bíblicos, nem em relatos dos historiadores da época, como Flávio Josefo, Tácito ou outros escritores clássicos. O próprio texto de João 19:29 esclarece que havia um vaso com vinagre próximo, indicando que esse líquido estava separado e era destinado ao consumo dos soldados ali de guarda, como era costume.
Além disso, o uso de uma vara ou um ramo de hissopo para erguer a esponja até a boca de Jesus não tem conexão com latrinas. Isso demonstra que era um improviso prático, já que a cruz mantinha o corpo elevado.
Aspecto Teológico e Cumprimento Profético
O oferecimento do vinagre também tem um peso profético. O Salmo 69:21 diz: “Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre.” Assim, o ato não é apenas uma cena de zombaria, como narram Mateus e Marcos, mas também o cumprimento literal de uma profecia messiânica, como destaca o evangelho de João.
Quando Jesus diz “Tenho sede” (João 19:28), não é apenas uma expressão de necessidade física, mas também uma declaração que sinaliza o cumprimento completo das Escrituras, imediatamente antes de pronunciar: “Está consumado”.
⚖️ Zombaria ou Ato de Misericórdia?
Nos evangelhos de Mateus e Marcos, o tom do episódio é de zombaria, uma forma cruel de oferecer uma bebida ácida ao invés de água, agravando o sofrimento de quem está morrendo. Já em Lucas e João, o texto sugere que poderia ter sido também um pequeno gesto de compaixão por parte de um dos soldados.
Conclusão
A alegação de que o vinagre dado a Jesus era oriundo de banheiros públicos é falsa, sem respaldo bíblico, arqueológico ou histórico sério. O que os evangelhos relatam é o oferecimento de uma bebida comum dos soldados romanos, chamada posca, que tinha propriedades hidratantes, embora de sabor desagradável.
O episódio tem valor teológico profundo, mostrando o cumprimento das Escrituras e, ao mesmo tempo, o sofrimento extremo de Cristo, que assumiu não apenas a dor física, mas também toda a humilhação possível para consumar a obra da redenção.