O que ensina o monofisismo de Êutico?



   

 

O monofisismo de Êutico é uma doutrina cristológica que afirma que, após a encarnação, Cristo possui apenas uma única natureza, resultante da fusão entre a natureza divina e a humana. Esse pensamento foi promovido por Êutico, um monge de Constantinopla do século V, e gerou um intenso debate teológico dentro da Igreja.

Segundo essa doutrina, a união das duas naturezas de Cristo resultaria em uma única natureza amalgamada, na qual a humanidade teria sido absorvida pela divindade. Assim, Cristo não seria plenamente Deus nem plenamente homem, mas sim uma fusão dos dois aspectos em uma nova realidade. Esse ensinamento entrou em conflito direto com a visão defendida pelo Concílio de Calcedônia, realizado em 451 d.C., que estabeleceu que Cristo possui duas naturezas distintas — divina e humana — unidas em uma única pessoa, sem confusão, mudança, divisão ou separação.

Para os defensores do monofisismo, a afirmação de duas naturezas em Cristo parecia comprometer a unidade de sua pessoa. Argumentavam que, se Jesus fosse verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem ao mesmo tempo, isso poderia sugerir uma dualidade separada dentro dele. Para evitar esse problema, sustentavam que a natureza divina absorveu a humana, formando assim uma única natureza após a encarnação.

Essa concepção, no entanto, foi rejeitada pela Igreja ocidental e pelas igrejas orientais que aceitaram o Concílio de Calcedônia. O entendimento calcedoniano, baseado nos escritos dos Padres da Igreja como Leão Magno e Cirilo de Alexandria, buscava preservar tanto a plena divindade quanto a plena humanidade de Cristo, mantendo a integridade de sua missão redentora.

Apesar da condenação oficial do monofisismo pelo Concílio de Calcedônia, a doutrina não desapareceu e continuou a ser seguida por alguns grupos cristãos, resultando em cismas e na formação de igrejas que não aceitaram as definições calcedonianas.


Quais ramos do cristianismo não reconhecem o Credo de Calcedônia e mantêm ainda o monofisismo de Êutico?

Diversas igrejas orientais não aceitaram as conclusões do Concílio de Calcedônia e, até hoje, mantêm uma cristologia que se diferencia do modelo estabelecido pela Igreja Ocidental. Entre essas igrejas estão:

  • Igreja Ortodoxa Copta – Predominante no Egito, a Igreja Copta rejeitou as decisões calcedonianas e continuou a sustentar uma visão monofisita sobre a natureza de Cristo.
  • Igreja Ortodoxa Armênia – Esta igreja também rejeitou o Concílio de Calcedônia e mantém uma cristologia distinta da ortodoxia bizantina e do catolicismo romano.
  • Igreja Ortodoxa Etíope (Abissínia) – Com raízes na tradição copta, a Igreja Etíope preserva interpretações cristológicas próximas ao monofisismo.
  • Igreja Ortodoxa Síria (Jacobitas) – Esta tradição cristã, originada na Síria, também se distanciou da cristologia calcedoniana e mantém uma posição teológica que se alinha ao monofisismo.

No entanto, é importante ressaltar que, ao longo dos séculos, muitas dessas igrejas passaram a preferir o termo “miaphysismo” em vez de “monofisismo” para descrever sua cristologia. O miaphysismo, defendido por Cirilo de Alexandria e adotado por essas igrejas, afirma que Cristo tem “uma única natureza encarnada do Verbo de Deus”, mas sem negar completamente sua humanidade e divindade. Essa posição difere do monofisismo extremo de Êutico, que eliminava por completo a distinção entre as duas naturezas.

Embora essas igrejas sejam frequentemente chamadas de “não calcedonianas”, elas permanecem parte da tradição cristã e mantêm diálogos com as igrejas orientais ortodoxas e a Igreja Católica. Nos tempos modernos, houve tentativas de reconciliação teológica, e algumas igrejas chegaram a acordos doutrinários com outras tradições cristãs, reconhecendo que as divergências podem ser mais terminológicas do que substanciais.

Dessa forma, o monofisismo de Êutico, embora rejeitado como heresia pelo cristianismo ocidental, continua a ter influência histórica e teológica em algumas tradições cristãs orientais. O debate em torno das naturezas de Cristo permanece uma questão central na cristologia e na compreensão da identidade de Jesus dentro do cristianismo global.

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